Editorial

nº 40 ano 11 | Março 2020

Motivados pelo objetivo de democratizar o acesso e a divulgação do conhecimento científico no âmbito do Planejamento Urbano e Regional e suas áreas correlatas, o primeiro número da e-metropolis foi publicado em maio de 2010. Completamos agora, portanto, 10 anos de existência. Cumprimos muitas das metas estabelecidas no momento de sua concepção e, diríamos, extrapolamos muitas delas a partir do instante em que nos aproximamos de outras áreas do conhecimento, como as artes, a história, e, sobretudo, a arquitetura e o urbanismo. Foi justamente o diálogo com essas áreas do conhecimento que nos permitiu implementar uma forma inovadora de comunicação e divulgação da produção científica sobre o urbano e o regional no Brasil, na América Latina e no Mundo, o que está materializado em centenas de artigos, entrevistas, nas resenhas e nos textos livres que publicamos ao longo desse tempo.

A edição que ora disponibilizamos sintetiza, em muito, nossa política editorial construída ao longo desses 10 anos, baseada não só na diversidade temática, mas também nos diferentes olhares sobre os quais as cidades e o mundo que as envolve podem ser observadas.

Abrimos o número 40, portanto, com o artigo intitulado “Da Refavela ao Koyaanisqatsi, duas músicas para o pó, a lama e o ‘CAUS’”, que constitui uma crônica sobre a atuação do Coletivo CAUS na região metropolitana do Recife, capital de Pernambuco. Junto à equipe do CAUS, o autor Caio Santo Amore, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), relatou sua visita a dois assentamentos populares sob ameaça de remoção localizados naquela metrópole, em setembro de 2019. Mostrada em primeira pessoa, Santo Amore reflete sobre o sentido da palavra “favela” a partir de Paulo Freire e correlaciona essa experiência com o caso de Pruitt-Igoe, projeto habitacional implementado entre 1954 e 1955, na cidade de St. Louis, no Missouri, Estados Unidos.

No artigo seguinte contamos com a valiosa contribuição de Wrana Panizzi, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Nesse artigo, Panizzi aborda o exercício do poder nas cidades, especialmente as brasileiras, a partir da ação do mercado, dos proprietários de terras e das grandes empresas construtoras. Para isso, analisa a história do planejamento urbano no Brasil, bem como seus períodos e fases, especialmente a atual de reinstitucionalização e flexibilização do planejamento visando o favorecimento dos negócios imobiliários, a valorização e a captura das rendas urbanas pelos grandes grupos econômicos.

No artigo “Favela olímpica e pós-olímpica: um olhar atualizado sobre as dinâmicas comerciais e turísticas no Vidigal no período 2012-2018” a pesquisadora Nayana Bonamichi lança mão dos conceitos de turistificação e gentrificação turística para analisar os impactos socioeconômicos e espaciais em uma favela localizada na cidade do Rio de Janeiro. De acordo com a autora, a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora, o aumento do poder de compra da classe popular, bem como os megaeventos esportivos, contribuíram para mudanças nas dinâmicas comerciais e turísticas desse território, cujos impactos podem ser sentidos até a atualidade.

Já o artigo “Produção do espaço urbano, financeirização e gestão urbana nas metrópoles e cidades na atualidade”, escrito por Paulo Roberto Soares, aborda o tema da produção das cidades e metrópoles brasileiras na atualidade, apontando sua dependência aos processos de globalização e financeirização. Partindo de uma análise sobre os impactos das forças econômicas, políticas e sociais mundializadas no processo de mercantilização e privatização dos espaços urbanos, o autor busca compreender as consequências desse processo na gestão urbana, bem como nas variadas formas de organização e mobilização da sociedade civil na produção de cidades espacial e socialmente justas.

Nossa seção de artigos termina com “As transformações recentes das periferias do vetor sul de Belo Horizonte: quais impactos sobre acessibilidade aos equipamentos urbanos?”. O trabalho tem como contexto o processo de intensificação do espraiamento urbano do vetor sul da capital mineira nos últimos anos. Com o apoio da plataforma Google Places of Interest, Eugênia Cerqueira buscou avaliar a acessibilidade da população aos equipamentos urbanos que vêm sendo instalados no bojo desse processo de expansão. A hipótese levantada pela autora pressupõe que as dinâmicas pós-suburbanas de expansão periférica poderiam impactar as condições de acessibilidade aos equipamentos.

Na entrevista deste número, Fernanda Petrus e Thaís Velasco conversaram com Luiz Carlos Toledo, arquiteto e urbanista atuante na área da habitação de interesse social e testemunha viva de etapas importantes do planejamento urbano no Brasil. Toledo acumula em seu currículo diversos projetos de significativo impacto social, o que inclui sua atuação na Favela da Rocinha. Nesta entrevista, ele fala sobre esses projetos enquanto reflexo de sua produção técnica e acadêmica, além de resgatar sua trajetória, desde a influência do pai, também arquiteto, até a última de suas aventuras, a criação da Casa de Estudos Urbanos, no Rio de Janeiro.

No texto livre da Seção Especial, o professor Robert Pechman e o fotógrafo Walter Firmo nos fazem passear em “Nas frestas da cidade”. Em uma composição entre imagens do cotidiano urbano e palavras que tematizam liricamente essas imagens, nessa conjugação verbo-visual, podemos encontrar fragmentos de um olhar atento à banalidade, àquilo que é ordinário, àquilo que faz oposição contínua à espetacularização, e que, por isso mesmo, em seus flagrantes, confere uma poética do dia-a-dia e dos (des)encontros na cidade.

O ensaio fotográfico [P]roduzido no Brasil busca, através de registros fotográficos, refletir sobre a desigualdade socioambiental e espacial a partir dos olhares de Igor Chaves e Gabriel Araújo sobre a comunidade Vila Nova Esperança, localizada em São Paulo.

Queremos encerrar a apresentação desta edição especial agradecendo às profissionais cuja colaboração foi fundamental ao longo dos 10 anos de existência da e-metropolis: Ana Carolina Christóvão, Carolina Zuccarelli, Eliana Kuster, Heitor Vianna Moura e Mariana Olinger. É, inclusive, com uma mensagem de Eliana Kuster que apresentamos este número comemorativo. É uma mensagem de alento e de esperança em meio às batalhas que nos esperam. Como escreveu Eliana: Vida longa à e-metropolis!