nº 36 ano 10 | Março 2019
Entrevista

Experimentos urbanos neoliberais na América Latina:

entrevista com Ernesto López-Morales

Com Ernesto López-Morales, Mariana Werneck e Bruna Ribeiro

Rio de Janeiro, 2019. Quem chega hoje à área portuária da capital carioca vê apenas o espectro da transformação anunciada pelo Porto Maravilha. Anunciada em 2009, a revitalização da região era lançada como “um sonho tornado realidade” – rompendo com a série frustrada de tentativas de renovação urbana que já se arrastavam há, pelo menos, três décadas – e logo se tornou numa das maiores promessas do legado olímpico. Passados dez anos desde sua instituição, no entanto, o projeto caminha em águas turvas.

Com o objetivo declarado de converter o perfil marcadamente popular e fisionomia portuária da região num dinâmico vetor de expansão imobiliária, atraindo cerca de 100 mil novos moradores, a operação incluía grandes intervenções nas infraestruturas de mobilidade, energia elétrica, telecomunicações, esgotamento sanitário e abastecimento de água ao longo de quase 5 milhões de m², além de prever a instalação de equipamentos-âncora, como o Museu do Amanhã, para reposicionar culturalmente a região na hierarquia dos lugares da cidade. A megaescala do projeto também estava nas cifras, alcançando R$ 8 bilhões. Os recursos necessários para a revitalização seriam captados pela venda de espaço construído por meio dos Certificados de Potencial Adicional Construtivo, os CEPACs, muito embora o fundo público – vindos do erário municipal e, sobretudo, dos recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – logo se revelasse fundamental para financiar o projeto.

Desde então, pelo menos R$ 5 bilhões já foram pagos à parceria público-privada de execução das obras e gestão dos serviços públicos da área portuária, a cargo das empresas Odebrecht, OAS e Carioca Christiani-Nielsen, mas, desde 2016, o Porto Maravilha enfrenta dificuldades. Após alguns anos de avanço entusiasmado do projeto, o funcionamento das engrenagens financeiras do Porto Maravilha sofreu bruscamente com a ruptura da aliança PT-PMDB e o desmantelamento da coalizão de poder arregimentada entre o poder político e as grandes empreiteiras. Além disso, a deterioração das contas públicas em âmbito local, por um lado, e a desconfiança do mercado imobiliário na área central, por outro, agravaram os efeitos da recessão sofrida pelo país e desaceleraram ainda mais a produção imobiliária da área portuária, levando à interrupção das obras e à suspensão do contrato.

O grau de insucesso do Porto Maravilha, visto a olhos nus, oculta, ainda assim, uma série de mudanças na governança urbana da cidade. Para que o projeto saísse do papel um conjunto expressivo de inovações normativas – que envolveu a regulamentação de instrumentos urbanísticos e de institutos de parceria, a concessão de benefícios fiscais, a flexibilização de normas de uso e ocupação do solo e a edição de novas diretrizes de investimento e de alienação do fundo público – foi levado a cabo. Junto ao novo arcabouço jurídico, ademais, um novo corpo institucional foi criado no interior da Prefeitura do Rio de Janeiro com o objetivo de promover a revitalização da zona portuária, enquanto uma série de prerrogativas públicas era transferida para a órbita da administração indireta, com a criação da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (CDURP). Por outro lado, a privatização de terrenos públicos – majoritariamente, de titularidade da União – avançou a passos largos: com pouco mais de 400 mil m² destravados ao mercado, os terrenos mercantilizados equivalem a 57 Maracanãs. Em seu conjunto, as iniciativas, combinadas à execução de remoções e à militarização de territórios populares localizados na região, parecem promover uma verdadeira inflexão na configuração urbana do Rio de Janeiro.

Processos semelhantes vêm ocorrendo em outras cidades. Como o Porto Maravilha, diversos são os experimentos de recuperação urbana de distritos centrais e waterfronts portuários que se espelham em práticas de construção especulativa do lugar características do empreendedorismo urbano descrito por Harvey (2005). Na América Latina, em particular, as experiências muitas vezes são impulsionadas por constrangimentos externos decorrentes da imposição de políticas de ajuste econômico e da disseminação de boas práticas (best practices) pelas agências multilaterais. Num enquadramento geral, as cidades parecem repetir, assim, as diretrizes neoliberais, criando versões locais de um mesmo fenômeno global e excludente (THEODORE et al, 2009). É o que nos conta o professor chileno Ernesto López-Morales.

Experimentos urbanos neoliberais na América Latina:
Ernesto López-Morales
elopez@uchilefau.cl
é professor associado do Departamento de Planejamento Urbano da Universidade do Chile e pesquisador associado do Centro de Estudos de Conflito e Coesão Social (COES, na sigla em inglês). Sua tese de doutorado foi agraciada com o Prêmio de Melhor Tese Iberoamericana em 2002.
Mariana Werneck
marianagsw88@gmail.com
é bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), é mestre em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ e pesquisadora da rede INCT Observatório das Metrópoles.
Bruna Ribeiro
cribeirobruna@gmail.com
é socióloga pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), é mestre em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ e pesquisadora da rede INCT Observatório das Metrópoles.